112 km > 1 treino semanal
112 km < 2 treinos semanais
Conselhos Técnicos, pelo prof. JOÃO ABRANTES
Recebemos uma carta de um leitor dos Açores, mais concretamente da ilha de São Miguel, cidade de Ponta Delgada, Mário Jorge Martins Rosa. Este nosso leitor e confesso adepto do atletismo, aproveita o seu tempo livre para apoiar alguns jovens da sua terra que praticam esta modalidade, no seu treino diário. Na sua carta, coloca-nos algumas questões técnicas, às quais temos todo o gosto em responder, dando deste modo a nossa colaboração.
Não podendo responder a todas as questões colocadas pelo leitor, seleccionámos aquelas que nos parecem ter mais interesse para a maioria dos nossos leitores. Convém realçar que estas questões dizem respeito ao treino de atletas de meio-fundo que normalmente participam em provas de estrada. As questões são as seguintes:
- Qual será a distância ideal para a realização do treino de séries?
- Em que altura da época é mais apropriado fazer treinos de “fartleck” ou de rampas?
- No treino do meio fundista é importante haver algumas sessões de musculação e de fortalecimento das pernas?
1 – Distâncias ideais para o treino de “séries”
Normalmente, quando utilizamos a expressão “treino de séries”, estamos a utilizar uma terminologia errada, pois estamos a referir-nos a um dos dois métodos de treino mais utilizados para o desenvolvimento da resistência, ou seja, o método do treino intervalado e o método do treino fraccionado. Como nestes métodos de treino é possível agrupar conjuntos de repetições em diferentes séries, alguém terá começado, incorrectamente, a chamar a estes métodos, o “treino de séries”. E parece ter pegado.
É quase impossível responder ao nosso leitor, porque as distâncias ideais a utilizar nestes métodos de treino, dependem de inúmeros factores como a idade do atleta, a sua experiência anterior, o seu nível atlético, o seu estado de forma, o período da época em que é feito o treino, as condições do local de treino, a distância para a qual o atleta está a treinar, o número de repetições que vai realizar, a intensidade de corrida em cada repetição, o tempo de recuperação entre cada repetição, a organização do treino em séries, os objectivos do treino, que tipo de resistência se pretende desenvolver e entre muitas outras coisas, a imaginação e a vontade do próprio treinador.
Parece que em vez de respondermos à questão colocada, ainda baralhámos mais o nosso leitor, mas o facto é que a escolha da distância é apenas um pormenor entre muitos outros quando fazemos o planeamento de um treino de resistência através do método intervalado ou fraccionado. Assim, para melhor esclarecermos os nossos leitores, é bom recapitular algumas noções básicas sobre estes métodos de treino, neste caso sobre o treino intervalado.
Definição do treino Intervalado: O treino intervalado é muito versátil no que respeita à organização da carga que varia conforme as adaptações funcionais pretendidas, o que o torna num método de treino da resistência muito utilizado em todas as modalidades e principalmente no atletismo. Uma das suas principais características está relacionada com os períodos de repouso que não permitem a recuperação completa dos parâmetros cardio-circulatórios e ventilatórios.
- Objectivos: A grande versatibilidade deste método de treino permite que seja utilizado para o desenvolvimento dos vários tipos de resistência. Contudo, é principalmente utilizado para o desenvolvimento da potência aeróbia, capacidade láctica e potência láctica (neste caso, principalmente com a utilização do método intervalado intensivo).
Variáveis do Treino Intervalado:
1 – Duração dos períodos de esforço ou distâncias das repetições
Períodos de esforço de Curta Duração I (15” a 55”) – 100 a 300 metros.
Períodos de esforço de Média Duração (55” a 2.30’) – 400 a 800 metros.
Períodos de esforço de Longa Duração (2.30’ a 10’) – 1000 a 3000 metros.
- Quando indicamos estas distâncias, pretendemos mostrar quais são as distâncias mais utilizadas no atletismo e não estamos a dizer que um treino com repetições inferiores a 100 metros ou superiores a 3000 metros não é um treino intervalado.
2 – Intensidade do esforço:
A prescrição da intensidade com que o atleta vai realizar as várias repetições do treino é uma indicação fundamental para garantir o sucesso do treino. Essa intensidade é calculada com base em diversos factores:
- Objectivo do treino (qual a fonte energética que se pretende solicitar).
- Recorde pessoal do atleta (há duas possibilidades, recorde na distância da prova ou recorde na distância em que o atleta vai treinar), tomando em consideração a forma actual do atleta.
- Período da época em que se desenrola o treino.
- Distância utilizada, número de repetições e tempo de recuperação.
3 - Intervalo entre as repetições – Micro-Pausa
No treino intervalado, a recuperação não pode ser completa (princípio da carga lucrativa). A duração do intervalo depende do objectivo do treino, da duração das repetições e também das características do atleta e do seu momento de forma. É fundamental que a recuperação permita manter a intensidade do esforço durante todo o treino mas utilizando a pausa mais curta possível que permita ao atleta cumprir todo o treino que foi programado. Há dois tipos de intervalo:
- Intervalo activo: utilizado após esforços em que há uma acumulação de ácido láctico nos músculos, pois através de exercícios com intensidades muito baixas consegue-se uma recuperação mais eficaz.
- Intervalo passivo: quando se utilizam pausas muito curtas ou quando se quer potencializar o efeito da acumulação do ácido láctico.
4 - Organização em Séries
A série é um conjunto de períodos de esforço e de repouso consecutivos, agrupados com os seguintes objectivos:
- Melhorar a qualidade do treino permitindo o aumento da intensidade do esforço.
- Aumentar o volume do treino mantendo os níveis de intensidade previstos.
5 - Tipos de Treino Intervalado
Há dois tipos de treino intervalado que se distinguem fundamentalmente pelos níveis de intensidade do esforço:
- Método Int. Extensivo: maior volume, menor intensidade.
- Método Int. Intensivo: menor volume, maior intensidade.
6 - Exemplos de Treinos Intervalados
Repetições de 200 metros:
- Intervalado Extensivo: 12x 200m (45” de recuperação).
- Intervalado Intensivo: 6x 200m (90” de recuperação).
Repetições de 400 metros:
- Intervalado Extensivo: 10x 400m (60” de recuperação).
- Intervalado Intensivo: 2x (3x 400m) (2’ de rec. – repetições e 5’ de rec. – séries).
Repetições de diferentes distâncias:
- Intervalado Extensivo: 200 + 300 + 400 + 500 + 500 + 400 + 300 + 200 (75” de rec)
- Intervalado Intensivo: 3x (400 + 200) (90” de rec. – repetições e 4’ de rec. – séries).
Repetições de 1000 metros:
- Intervalado Extensivo: 5x 1000m (2.30’ de recuperação).
- Intervalado Intensivo: 3x 1000m (5’ de recuperação).
2 – Qual a altura ideal para fazer “fartleck” ou rampas
Comecemos pelo treino do “fartleck”. Como alguns dos nossos leitores poderão não estar familiarizados com este método de treino, convém em primeiro lugar explicar em que consiste este método.
Definição de “fartleck”: Normalmente são esforços de média e longa duração com variações de intensidade determinadas por três diferentes factores:
- Factores Externos (perfil do terreno).
- Factores Internos (vontade do atleta).
- Factores Planeados (decisões da programação).
- Objectivos: Devido à grande variedade de situações permitidas por este tipo de treino, podemos dizer que tem uma grande abrangência no que respeita às fontes energéticas mais solicitadas. Contudo, podemos dizer que este treino é principalmente utilizado para o desenvolvimento da potência aeróbia, embora possa também ser utilizado para o desenvolvimento da capacidade aeróbia (maior duração e menor intensidade do esforço) ou no pólo oposto, para o desenvolvimento da capacidade láctica (menor duração e maior intensidade do esforço). É possível dizer que os principais objectivos deste método de treino da resistência são permitir uma adaptação à variação da solicitação metabólica, uma compensação da lactatemia durante as fases de carga de intensidade baixa e média e uma percepção e aprendizagem de ritmos diversos com variação frequente.
- Variáveis: Também neste método de treino as principais variáveis são a duração e a intensidade do esforço, que normalmente pode variar entre os 15 a 60 minutos. Contudo, neste caso há outras variáveis muito importantes:
- Local do Treino: Se as variações de intensidade forem determinadas por factores externos como o perfil do terreno, então o local do treino passa a ser uma variável fundamental neste método de treino. Por exemplo é possível num treino de praia variar a corrida em areia molhada (ritmos mais rápidos) e areia seca (ritmos obrigatoriamente mais lentos). Outro exemplo é o treino em corta-mato em que as subidas e descidas provocam de uma forma natural constantes alterações dos ritmos.
- Vontade do Atleta: Se as variações de intensidade forem determinadas por factores internos como a vontade do atleta, então as características do atleta, o seu momento de forma e a sua disposição para o treino, passam a ser variáveis fundamentais. Neste caso de “Fartleck não orientado” o atleta vai fazendo alterações ao seu ritmo de corrida de acordo com a sua própria vontade.
- Factores Planeados: Se as variações de intensidade forem determinadas por decisões da programação do treinador, então a construção do treino (número de alterações de ritmo, duração de cada alteração, intensidade de cada alteração, tempo de recuperação nos ritmos menos intensos, etc.), passa a ser uma variável fundamental, que neste caso está relacionada com o objectivo do treino e com a fonte energética que pretende solicitar.
Este método tem um papel muito importante no planeamento anual do treino, pois permite fazer a transição entre um treino inicial à base de corrida contínua e um treino em que já se começa a utilizar o método intervalado. Deve pois incluir-se após seis a oito semanas depois do início da época e ir mais tarde substituindo este método, de forma progressiva, pelo método intervalado. Também após lesões que provoquem paragens prolongadas, é bom começar o treino anaeróbio primeiro através de “fartlecks”.
No que respeita ao treino de rampas, podemos dizer que este treino tem as características do treino intervalado com a diferença que o atleta corre em rampas (a subir), que não devem ser demasiado inclinadas para que a perda de velocidade não seja demasiado acentuada. O ideal seria fazer as rampas num percurso de corta-mato.
As distâncias utilizadas, o número de repetições, a intensidade e o intervalo dependem dos objectivos de cada treino, do nível do atleta e do período da época e podem variar bastante.
Este treino pode aparecer já na parte final do Período de Preparação, utilizando-se distâncias maiores e depois entrar mesmo no Período Competitivo, mas diminuindo as distâncias. Como este treino tem uma forte componente anaeróbia deve ser feito pelo menos três dias antes das competições de forma a permitir uma recuperação adequada.
3 – A importância da musculação ou do reforço muscular nos fundistas
Um programa de treino bem elaborado deve tentar conciliar o treino da resistência com o treino das outras capacidades, nomeadamente o treino da força. O treino de força para um fundista não deve ser feito no ginásio, mas sim na praia e nas matas através da corrida na areia e nas dunas e na corrida em rampas da qual já falámos.
Contudo, a nível do ginásio é possível e benéfico realizar algumas sessões de treino, principalmente no início da época, não para procurar grandes ganhos de força, mas principalmente para se conseguir um reforço muscular e uma preparação física geral que sirvam de suporte ao treino mais intenso na estrada e na pista e que ajudem a evitar algumas lesões musculares.